Eram 5h da manhã quando as sirenes começaram a soar. Uma, duas, três vezes do som que vinha a 10 quilômetros da casa de Zhanna Virna. Na mente, esta é a primeira lembrança do início da Guerra na Ucrânia. Mas no coração a paz já reinou. No dia 04 de junho, a pesquisadora completou 11 meses em Curitiba, como bolsista do Programa de Acolhida aos Cientistas Ucranianos, promovido pela Fundação Araucária. Antes a uma dezena de distância, hoje a 11.161 quilômetros de onde tudo começou, em Curitiba, Zhanna celebra o recomeço. 

A memória das bombas é da cidade de Lutsk, região de Volínia na Ucrânia, próxima da Polônia. Foi no país vizinho que Zhanna ficou abrigada, de março a julho, antes de chegar ao Paraná. "Temos uma fronteira que acabou sendo muito importante para nós neste momento de Guerra", conta.

Aquele estampido das explosões veio do aeródromo militar da cidade. "Eu gostaria que as pessoas nunca ouvissem como é assustador o barulho das bombas.  Você ouve o barulho delas passando e o estrondo da explosão quando elas caem em algum lugar. É muito assustador", lamenta a ucraniana. 

O que ficou para trás 

Todo dia era perturbador, para Zhanna, com sons de sirenes que avisam os moradores dos ataques aéreos. Em 02 de março, quase uma semana após o início da Guerra, a vida já estava difícil. "Nós suportávamos os dias com grande esforço porque, na verdade, não dormíamos, não trocávamos de roupa e não podíamos tomar banho". Com tanto medo e incerteza pelo futuro, a família de Zhanna atravessou a fronteira a pé. "Fomos até a Polônia de ônibus e andamos por quatro horas a pé até chegar a um local de acolhida. Havia muita gente tentando entrar no país vizinho”, relembra. 

"Na Ucrânia, eu deixei meu filho, meu apartamento, meu namorado, a família do meu filho. Minha netinha que, naquele momento, foi o meu maior tesouro que ficou para trás", enumera Zhanna. 

Com a Guerra, ficaram na Ucrânia os 25 anos de trabalho na Universidade Nacional de Volínia, onde foi organizadora do Laboratório dos Estudos Integrais da Personalidade. "Deixei também meus alunos, minha escola preparatória… bem, eu não vou dizer que não sinto [pelo que deixou para trás], tenho boas ideias, as quais, infelizmente, não concretizei na Ucrânia". 

Quando as perspectivas pareciam ser de tristeza, veio a esperança: "Vi no site do Ministério da Educação da Ucrânia um anúncio da Fundação Araucária, então decidi aproveitar esta oportunidade porque já tinha ouvido bastante sobre a escola brasileira de psicologia". Foi naquele momento que a história de Zhanna com o Paraná começou.

Recomeço

Quando chegou em Curitiba, em 04 de julho de 2022, Zhanna veio acompanhada da irmã, Inna Virna, e do sorriso no rosto. "Esse encontro era muito esperado por mim, com a esperança de futuros projetos relevantes. A esperança nos dá força e energia para um bom tempo", destacou à época, em uma das suas primeiras palavras. 

Onze meses depois, os projetos já geram frutos. No primeiro mês, a pesquisadora iniciou a prática da língua portuguesa, com aulas oferecidas pelo Programa Fala Idiomas. Logo em seguida, veio o início dos trabalhos da pesquisa “Educação e direitos humanos: bem-estar e melhora da qualidade de vida na escola e na comunidade”. 

Zhanna é psicóloga e professora na Universidade Nacional de Volínia, região oeste da Ucrânia e que fica a 496 quilômetros da capital Kiev. A oportunidade de vir ao Brasil lhe abriu portas para uma nova jornada acadêmica. "Uma nova experiência, especialmente a científica, é sempre muito importante para uma pessoa e é claro que gosto muito da troca de experiências e do apoio emocional”, ressalta. 

No Paraná, o trabalho é desenvolvido na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC), no Programa de Pós-Graduação em Educação, vinculado ao Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Direitos Humanos e Formação de Professores. Para Zhanna, a psicologia brasileira inspira olhares inovadores na solução de problemas nesta área que também são relevantes na Ucrânia.  "Minha experiência aqui não termina em dois anos. Vamos continuar a cooperação com as colegas brasileiras, haverá novas pontes e conexões, e assim eu sinto a escola científica na sua totalidade de significados".

Evolução do trabalho 

"Receber a Zhanna é um grande presente! É uma oportunidade de troca e exercício dos princípios, com os quais trabalhamos nos estudos sobre a relação entre direitos humanos e direitos humanitários", conta a professora Ana Maria Eyng, que lidera as pesquisas do Grupo na PUC. 

A relação de parceria entre Zhanna e Ana é um exercício de acolhimento e respeito às dores, angústias e ansiedade de quem vive com o coração dividido, segundo a professora da PUC. "Também é uma experiência de solidariedade, de compartilhar as tensões da guerra e a esperança pelo seu término o mais breve possível".

O projeto de Zhanna tem como objetivo geral analisar as correlações entre educação e garantia de direitos na construção coletiva de pedagogias e tecnologias para o bem-estar de todos, no contexto escolar e comunitário. No segundo semestre de 2023, a dupla irá ministrar em conjunto a disciplina Educação, Direitos Humanos e Formação de Professores.  

A relação é de parceria e cooperação, mesmo ainda na fase da familiarização e aprendizado da língua portuguesa. "A Zhanna tem se esforçado e progredido bastante. Pois se trata, sobretudo, de um grande desafio de comunicação, que tem marcado uma relação bastante amigável", completa Ana. 

A partir de agora

Antes de chegar ao Paraná, Zhanna conhecia o que a maioria das pessoas sabem. "Aqui se respeitam os processos democráticos, há inovações tecnológicas utilizadas na medicina, além da natureza e o clima, que sempre inspiraram em mim a vontade de conhecer o país”, conta a ucraniana. O fato de aqui existirem mais 500 mil pessoas da comunidade ucraniana também animou Zhanna. "Eu me sinto feliz pela oportunidade de ter contato com estes meus conterrâneos”. 

O contato com tantas situações novas no Paraná, fez com que Zhanna desejasse mais paz para seu país Natal, a partir de agora. “Para todos os ucranianos, para toda a nação ucraniana eu desejo a paz". 

Além da paz, também a vontade de vitória. "Eu desejo dias aquecidos, dias iluminados, que haja menos sangue derramado e menos mortes. E que vivamos em um ambiente gentil, caloroso e próspero, como o povo ucraniano merece. Desejo prosperidade a todos. Vitória e prosperidade, isso é o principal”, finaliza. 

Texto: Jéssica Natal.

Créditos das fotos: Henry Milléo e Luciane Navarro - UEPG.

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After the beginning of the war: Ukrainian researcher celebrates fresh start in Brazil

It was 5 am when the sirens started to sound. Once, twice, three times from the sound that comes 10 miles from Zhanna Virna's house. In her mind, this is the first mark of the beginning of the War in Ukraine. But in her heart peace has already reigned. On June 4th, the researcher completed 11 months in Curitiba, as a scholarship holder of the Welcome Program for Ukrainian Scientists, promoted by the Araucaria Foundation. Before a dozen away, today 11,161 miles from where it all began, in Curitiba, Zhanna celebrates the new beginning.

The memory of the bombs is from the city of Lutsk, Volhynia region in Ukraine, close to Poland. It was in the neighboring country that Zhanna was sheltered, from March to July, before arriving in Paraná. "We have a border that ended up being very important for us at this time of war," she says.

That noise of explosions came from the city's military airfield. "I wish people never heard how frightening the sound of bombs is. You hear the noise of them passing through and the bang of the explosion when they fall somewhere. It's very frightening", laments the Ukrainian.

What was left behind

Every day was disturbing for Zhanna, with the sounds of sirens that warned residents of air raids. On March 2, almost a week after the start of the War, life was already difficult. "We endured the days with effort because, in fact, we didn't sleep, we didn't change clothes and we couldn't shower." With so much fear and uncertainty for the future, Zhanna's family crossed the border on foot. "We went to Poland by bus and walked for four hours on foot until we reached a place where people were welcomed. There were a lot of people trying to enter the neighboring country", she recalls.

"In Ukraine, I left my son, my apartment, my boyfriend, my son's family. My little granddaughter who, at that moment, was my greatest treasure, was left behind", says Zhanna.

With the war, the 25 years of work at the National University of Volhynia, where she organized the Laboratory of Integral Studies of the Personality, remained in Ukraine. "I also left my students, my preparatory school... Well, I'm not going to say that I'm not sorry [for what I left behind], I have good ideas, which, unfortunately, I didn't realize in Ukraine".

When the prospects seemed to be gloomy, hope came: "I saw an advertisement for the Araucaria Foundation on the website of the Ministry of Education of Ukraine, so I decided to take advantage of this opportunity because I had already heard a lot about the Brazilian school of psychology". It was at that moment that Zhanna's story with Paraná began.

Fresh start

When she arrived in Curitiba, on July 4, 2022, Zhanna was accompanied by her sister, Inna Virna, and the smile on her face. "This meeting was much awaited by me, with the hope of future relevant projects. Hope gives us strength and energy for a good time", she highlighted at the time, in one of her first words.

Eleven months later, the projects are already bearing fruit. In the first month, the researcher started to practice the Portuguese language, with classes offered by the “Fala Idiomas” Program. Soon after, she started to work on her research “Education and human rights: well-being and improvement in the quality of life at school and in the community”.

Zhanna is a psychologist and professor at the National University of Volhynia, in western Ukraine, 496 kilometers from the capital Kiev. The opportunity to come to Brazil opened doors for a new academic journey. "A new experience, especially a scientific one, is always very important for a person and it is clear that I really enjoy the exchange of experiences and emotional support", she points out.

In Paraná, the work is carried out at the Pontifical Catholic University of Paraná (PUC), in the Post-graduate Program in Education, linked to the Public Policy, Human Rights and Teacher Training Research Group. For Zhanna, Brazilian psychology inspires innovative approaches to solving problems in this area, which are also relevant in Ukraine. "My experience here doesn't end in two years. We will continue the cooperation with the Brazilian colleagues, there will be new bridges and connections, and thus I feel the scientific school in its totality of meanings".

Work evolution

"Receiving Zhanna is a great gift! It is an opportunity to exchange and exercise the principles with which we work in studies on the relationship between human rights and humanitarian rights", says professor Ana Maria Eyng, who leads the Group's research at PUC.

The partnership relationship between Zhanna and Ana is an exercise in acceptance and respect for the pain, anguish and anxiety of those who live with a divided heart, according to the PUC professor. "It is also an experience of solidarity, of sharing the tensions of war and the hope that it will end as soon as possible".

Zhanna's project has the general objective of analyzing the correlations between education and the guarantee of rights in the collective construction of pedagogies and technologies for the well-being of all, in the school and community context. In the second half of 2023, the duo will jointly teach the theme Education, Human Rights and Teacher Training.

The relationship is one of partnership and cooperation, even in the phase of familiarization and learning of the Portuguese language. "Zhanna has been making an effort and progressing a lot. Because it is, above all, a great communication challenge, which has marked a very friendly relationship", completes Ana.

From now on

Before arriving in Paraná, Zhanna knew what most people know. "Here, democratic processes are respected, there are technological innovations used in medicine, in addition to nature and the climate, which have always inspired in me the desire to get to know the country", says the Ukrainian. The fact that there are more than 500 thousand people from the Ukrainian community also encouraged Zhanna: "I feel happy for the opportunity to have contact with these fellow countrymen”.

The contact with so many new situations in Paraná made Zhanna wish for more peace in her home country from now on. "For all Ukrainians, for the entire Ukrainian nation I wish for peace", she says.

In addition to peace, also the will to win. "I wish for warm and bright days, less bloodshed and less deaths. And that we live in a kind, warm and prosperous environment, as the Ukrainian people deserve. I wish everyone prosperity. Victory and prosperity, that is the main thing", ends.