Rumo à Lua, com os pés bem firmes na Terra 02/08/2025 - 22:56
Energia, construção, mobilidade e saúde. São estas as quatro áreas que estruturam a vida humana, aqui e em qualquer outro lugar do universo. Foi a partir delas que os 29 jovens do programa SLI – Sustainable Living Innovators aceitaram o desafio de imaginar como seria viver na Lua. Não como um exercício de ficção científica, mas como um laboratório de ideias com impacto direto na Terra.
Na Missão Terraluna, promovida pelo CEiiA no âmbito da 6.ª edição do SLI, o objetivo é claro: transformar a construção de uma base lunar num catalisador de conhecimento e inovação que acelere soluções sustentáveis nos domínios essenciais da vida quotidiana. O raciocínio é simples: se conseguimos criar tecnologias para ambientes extremos como a cratera Faustini, então também podemos aplicá-las para melhorar as cidades, a saúde e a mobilidade no nosso próprio planeta.
Com o apoio de parceiros como a Boston Consulting Group, o Grupo Casais, a sociedade de advogados Morais Leitão e a Fundação Araucária, os jovens já estão em Portugal há três semanas trabalhando intensamente, lado a lado com universidades, empresas e especialistas do setor espacial. No último dia 25, eles tiveram finalmente palco para apresentar os seus conceitos.
Perante um júri composto por representantes das entidades parceiras, os jovens – 15 do ensino médio e 14 universitários, de Portugal e do Brasil – mostraram o que significa pensar grande. Selecionados entre mais de 300 candidaturas, com idades entre os 16 e os 20 anos, conceberam propostas que cruzam rigor técnico, criatividade e aplicabilidade real, nos quatro eixos fundamentais da missão.
Energia, Construção, Mobilidade e Saúde
O departamento da Energia, denominado Zenith, propõe criar um painel vertical que acompanha o movimento da Lua e capta a energia solar. “Procuramos formas mais sustentáveis de produzir energia, principalmente no ambiente lunar. Aplicar novas tecnologias para conseguir produzir, armazenar e gerir energia. Basicamente, é conseguir ampliar todas essas tecnologias para depois termos também uma melhor qualidade de vida na Terra”, introduz Júlia dos Santos, de 20 anos, porta-voz do grupo, antes de completar: “Queremos fazer placas solares verticais, que vão ter uma amplificação maior de energia. Dentro disso, vamos ter um sistema complexo que fecha e protege da radiação ou de poeira cósmica, por exemplo. Temos também um novo projeto de inteligência artificial, um painel com um sistema de interface que agrega todos os dados que acontecem na Lua, para conseguir administrar todas essas áreas onde tem energia”.
Na área da Construção, a equipe foi desafiada a construir e desenhar os módulos lunares, que vão fazer parte da base, “através de um método sustentável e eficiente para uma missão de dez dias”, explicou Eugénio Neri, de 18 anos. “Além da base rígida, ficámos responsáveis pelo design de interior, ou seja, laboratórios, onde dormir e armazenamentos de energia, que tinham de estar acoplados também ao sistema interior”, concluiu, antes de apresentar o projeto. “Temos um design main, que é o módulo maior e que denominámos de Bob. Nesse módulo central estarão os laboratórios, a parte recreativa e a de comunicações. Acoplado a esse módulo estarão outros mais pequenos, que chamámos de Wembi, onde estarão as zonas habitacionais. A peculiaridade do projeto é que a base vai estar semienterrada, ou seja, construída dentro de uma cratera na lua, que depois será coberta com o regolito lunar, para assim fornecer proteção”, sintetizou.
Ao grupo da Mobilidade coube a missão de construir um rover modelar, veículos utilizados para explorar a superfície da Lua, que tenha “mais custo efetivo”. “Vamos ter muito processamento da parte do servidor e não da parte do rover, que vai tentar economizar”, apresenta o porta-voz do Lunamotion, Adriano Vilhena, de 16 anos. “O CEiiA e os parceiros ajudaram-nos muito no desenvolvimento do projeto, nomeadamente através das palestras”, admite, ainda o jovem. O grupo acredita na utilidade destes rovers também em emergências ou em lugares mais inóspitos da Terra.
Finalmente, em matéria de Saúde e bem-estar, o departamento Hígia foi desafiado a criar “um sistema que vai apoiar a monitorização e fazer a análise dos dados fisiológicos dos astronautas, que depois também pode ser aplicado na Terra, nos mais diversos contextos”, explica o porta-voz Francisco Vaz, de 18 anos. “Definimos que a tecnologia que íamos utilizar, em termos de sistemas de aquisição dos dados, seria tecnologia já existente. Os parâmetros que vão ser monitorizados e os procedimentos médicos, em caso de emergência, também têm como base o que os especialistas consideraram mais relevante ao longo de anos de exploração espacial. O que vamos adicionar é celeridade, vamos otimizar o processo de resposta médica”, garante, “através da inteligência artificial”. “O sistema tem também as mais diversas aplicabilidades na Terra, desde logo em missões militares e humanitárias, pois permite perceber quando uma pessoa está a atingir o estado limite, bem como a agilizar os procedimentos”, objetiva Francisco Vaz.
Construir o futuro
A cada apresentação, os quatro grupos eram sujeitos aos pareceres especializados, designadamente dos parceiros na 6.ª edição do SLI, que convergiram em opiniões positivas, quer na concepção das ideias, quer na exposição oral e visual das mesmas, sem, no entanto, deixarem de acrescentar possíveis pontos de melhoria, adaptação ou evolução dos projetos, em particular em questões orçamentais.
No final, os pareceres mostravam mesmo “surpresa” pela qualidade apresentada, por jovens de tão tenra idade. “O problema que lhes é proposto é bastante complexo. É óbvio que tiveram vários inputs, mas a capacidade de estruturar uma história, partir um problema complexo às postas e apresentá-lo com esta narrativa mostra um trabalho muito interessante. Estou muito impressionado”, afirma Eduardo Bicacro, sócio da BCG, que admite que o grupo, juntamente com o CEiiA, quer “ajudar a estruturar uma agenda nacional para o espaço, onde Portugal pode ter uma palavra a dizer, em aspectos, por exemplo, como a Defesa”.
“Os projetos têm um elemento em comum, grande qualidade”, reforçou Rui Oliveira Neves, sócio da Morais Leitão, sublinhando, ainda, “o sentido de aquilo que façamos no espaço também sirva a humanidade. Todos tiveram esse cuidado”. “A questão do espaço faz parte daquilo que é a nova economia, em crescimento, por isso é um sector que, ainda que para já de nicho, pode projetar Portugal a nível mundial”, aponta.
Pedro Andrade, gestor de Inovação do Grupo Casais e CTO da Blufab, naturalmente, deu ênfase ao projeto da área da Construção, mas considerando “todos bastante interessantes” e que estas iniciativas vão de encontro aos ideais da Casais, nomeadamente “no reforço na sustentabilidade e tecnologia na construção”. Sob o mote “o futuro não se reivindica, constrói-se”, de José Rui Felizardo, fundador e CEO do CEiiA, a demonstração final da base lunar simulada está agendada para 8 de Agosto.
Fonte: Jornal Público.
Fotos: CEiiA.