“O que parece ser improvável para algumas mulheres, muitas vezes é possível quando oferecemos significados e propósitos para tudo que realizamos”, afirma a professora Linnyer Beatrys Ruiz 08/03/2021 - 16:56

No Dia Internacional das Mulheres, a Fundação Araucária resolveu homenageá-las contando a história de vida e da carreira de uma das pesquisadoras mais importantes do Brasil e que nasceu e mora em Cianorte, interior do Paraná, a professora Linnyer Beatrys Ruiz, Doutora em Ciência da Computação pela UFMG,Mestre em Engenharia Elétrica e Informática Industrial pelo CEFET-PR e Engenheira de Computação pela PUCPR.

"Em décadas dedicadas ao desenvolvimento da C, T& I e da Educação no Paraná e no Brasil, aprendi a reconhecer as excepcionalidades, e a Profª. Linnyer Aylon, com certeza, é uma delas.Como as nossas Universidades Públicas e todos os nossos pesquisadores e pesquisadoras,  bem comum da nossa sociedade!”, ressaltou o presidente da Fundação Araucária, Ramiro Wahrhaftig.

Linnyer é Presidente da Sociedade Brasileira de Microeletrônica (a primeira mulher a presidir a sociedade em uma área tão masculina). Coordena o maior grupo de pesquisa em IoT e Robótica do Paraná e um dos maiores do país, o MannaTeam, uma rede de estímulo à  inovação e à formação do cidadão 5.0.

Um grupo que desenvolve pesquisa em Internet das Coisas e suas variações, Educação 5.0, Jogos, Inteligência Artificial e que está presente em 15 cidades,  formada por 28 doutores, 23 mestres e vários estudantes da UEM, UFPR, UTFR, IFPR, IFSP, USP, Unicamp, IESB, Ramo Estudantil IEEE e IEEE Wie.

O MannaTeam tem quase 65 mulheres entre pesquisadoras doutoras, mestres, professoras de escolas públicas, estudantes de engenharia e computação bem como alunas de escolas públicas do ensino fundamental e médio.

A professora Linnyer é membro do Comitê de Assessoramento de Microeletrônica (CA-ME) do CNPq,bolsista de Produtividade em Pesquisa 1D do CNPq, gestora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Sistemas Nano e Microeletrônicos (INCT NAMITEC), membro do Comitê Assessor de área da Fundação Araucária Fundação de Apoio à Pesquisa do Paraná) e do Conselho Administrativo da Evoa Aceleradora de startups, Membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá, tutora da SoftCom - empresa júnior da UEM.Em 2019, a Profª. Linnyer recebeu o título de cidadã Benemérita de Cianorte por suas ações de cidadania e seu exemplo aos jovens.

Ela foi a responsável pela criação do Curso de Doutorado em Ciência da Computação da UEM e pelo curso de mestrado em Ciência da Computação da UEL. Foi a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação da UEM (2018-2020). É membro do CATI (Comitê de área de TI) do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. E também uma das responsáveis pela estruturação do NAPI Educação, constituído pela Fundação Araucária.

Mãe do Don de 13 anos, Linnyer destaca que além de todo esse currículo, cozinha, lava, enxuga e guarda louça, que gosta de pescar, de tocar violão, de viajar, de andar de Kombi, enfim que tem hobbies e rotinas de uma pessoa e mulher como qualquer outra. E é por isso que faz questão e valoriza todo o caminho que percorreu para hoje ter o currículo que tem, ter o destaque como cientista e de principalmente oferecer significados às suas ações. Confira essa  trajetória contada pelas próprias palavras da professora:

A descoberta

Consegui ter um pouco da dimensão da minha história quando eu estive em Boston, em 2013, pois fui convidada para fazer parte de uma delegação de 12 cientistas brasileiras que tinham uma história de notoriedade, convidadas pelo  governo do Barack Obama, para refletir sobre o papel da mulher. Quando eu tive que contar minha história, tinha 40 anos e um filho pequeno e nunca tinha parado para refletir sobre o caminho que percorri para chegar onde eu tinha chegado.

Como foi uma homenagem pelo nosso trabalho, naquele encontro ficou claro para mim quem eu era, como eu tinha a responsabilidade de inspirar as pessoas e quanto o nosso exemplo  influencia na forma como as pessoas podem reagir e enfrentar desafios. E as perguntas das pessoas traziam muito disso.

Início de tudo

Na década de 70, em Cianorte, os verdureiros usavam Kombis para vender seus produtos e a minha mãe sempre comprava verduras, legumes, em uma dessas kombis que era vermelha e lá  também vendiam chocolates.

Como aos quatro anos eu já sabia ler e amava ler, eu acompanhava a minha mãe e  esses chocolates me chamaram atenção, pois vinha uma tag que contava histórias, e em uma delas constava que uma cachorra chamada Laika que tinha sido lançada pela Sputnik  no espaço, e ninguém tinha ido buscá-la.

Nesse momento perguntei para minha mãe como que essa cachorra poderia ser resgatada, minha mãe falou que precisava ser cientista e engenheira, e que seria impossível para uma mulher. Mas mesmo ouvindo  isso, eu sempre afirmei que seria uma cientista, formada em eletrônica e que iria buscar a Laika. E que também teria uma Kombi vermelha, pois uma menina filha de um caminhoneiro e de uma dona de casa, onde buscava o conhecimento? Dentro da Kombi vermelha do verdureiro.

Enxergar da janela para fora

A minha realidade era morar em uma casa de madeira, com goteiras e buracos, com violência familiar,mas quando eu olhava da minha janela para fora eu tinha na minha frente um parque com um bosque e que no meio do bosque tinha uma biblioteca, foi um mundo fantástico.

E tinha também neste mesmo local,  a Sanepar, e dentro  da Sanepar tinha um laboratório. Como eu sempre quis ser cientista, também queria conhecer esse laboratório, eu chegava a pular o muro para isso. Então  era uma realidade difícil, mas que optei olhar de outro ângulo, pois sempre me senti muito privilegiada com as oportunidades que apareciam,  pois nessa época, por exemplo, eu e minhas irmãs também ganhamos um violão e um piano e aulas gratuitas de  música e de inglês.

Memórias afetivas

Minha mãe sempre escreveu bem, é poetisa e escritora, escrevia poemas para nós e isso nos incentivava a ler muito.  O meu pai sendo caminhoneiro decidiu estudar para ser advogado, quando ele ia estudar e fazer trabalhos com os amigos na Universidade Estadual de Maringá, levava eu e minhas irmãs junto e nós ficávamos brincando neste ambiente.

Portanto, eu via a UEM como um local que transformava o meu pai e a minha vida, fui à formatura do meu pai aos sete anos, e isso me marcou muito e hoje não perco nenhuma formatura, porque ficou uma memória afetiva muito importante.

Com isso,  entendo o porquê de ter  voltado à  UEM, trabalhei muitos anos como engenheira, como professora da UFMG, viajei pelo mundo, mas hoje entendo porque voltei à minha cidade e  trabalho integralmente na Universidade. Porque despertam memórias afetivas  e sinto que tenho obrigação de devolver tudo que consegui, em forma de trabalho, ao local que o meu sonho foi despertado.

Aceitar as oportunidades

Quando resolvi cursar a graduação só existia um curso de engenharia da computação e era em uma Universidade particular. Mais uma vez vinha a palavra de que seria impossível, mas não desisti, apresentei um atestado de pobreza na Pontifícia Universidade Católica de Curitiba e consegui uma bolsa, consegui uma oportunidade de fazer um dos primeiros cursos de engenharia da  computação do Brasil.

Muitas vezes eu não conseguia acompanhar os meus colegas, mas ao invés de eu ficar desanimada com isso, muito pelo contrário, eu ficava maravilhada em ter esta oportunidade. Nos dois primeiros anos da faculdade fui fruto do amor, do afeto e das pessoas que dão significado a tudo que fazem. Recebi apoio de professores e de amigos e nunca me vitimizei pelas condições que eu tinha, sempre agradeci pelas oportunidades.

Sonhos e propósitos

Como sempre tive muito claro que queria ser cientista e engenheira, procurei colocar significados na minha vida, eu não me conformava em ver crianças nas escolas sem sonhos, por isso surgiu o MannaTeam.

Quis criar um projeto que consiste em ir às escolas, despertar genialidades, oferecer a propulsão, redigir histórias, levar outras pessoas para contar suas histórias, expor-se mais. O que é difícil, pois exige muito empenho e tempo das pessoas, mas tudo isso traz o propósito, o significado, o ecossistema do cidadão 5.0, pessoas que têm sonhos, que sabem o que querem e que quando conseguem devolvem para a sociedade, uma sociedade sustentável não só no ponto de vista de meio ambiente, mas em se sustentar em sonhos.

Ser professora

Eu me entendi como professora há aproximadamente 15 anos e quando passei a dedicar todo o meu tempo como docente e vi que muitos alunos eram avaliados por formas muito padronizadas de excelência, que precisa alcançar a nota 10.

O que muitos não enxergam é que o aluno que tira 6 também é excelente, pois depende do contexto que ele vive e dificuldades que enfrenta, ele não pode ser avaliado pelas métricas que a sociedade e até mesmo a família impõem, mas sim pela medida que aquela pessoa pode alcançar.

Ser cientista

O profissional do futuro deve ter um conhecimento excepcional da sua área de conhecimento, mas deve também ser cidadão de bem e engajado na busca por soluções para sua comunidade.  Nós cientistas formamos outros cientistas e seria muito bom se todos dessem significado ao que aprendem priorizando seus artigos científicos, mas não esquecendo de inspirar as próximas gerações, isto é, dar sonhos à crianças e adolescentes da Educação Básica a partir de pequenas e grandes ações de cidadania.

O meu desafio hoje é trabalhar na pesquisa, ensino,  extensão e inovação por uma sociedade 5.0  e para que o Brasil tenha um diferencial competitivo em Microeletrônica, uma área que está servindo à todas as outras.

A mulher na sociedade

A mulher ainda enfrenta muitas dificuldades, existem muitos degraus a serem alcançados, mas penso que o discurso e a iniciativa que devem ser priorizadas é enfrentar os obstáculos, é não ter medo de mostrar as vulnerabilidades e também não ter a cobrança de que precisamos ser perfeitas em tudo que realizamos.

Entenda quem você é, que tem direitos, que tem  algo bom para oferecer, é o que importa, mas também para isso dar certo é preciso capacitar-se.  A mulher precisa se desafiar e não desistir com os obstáculos que possam aparecer.  O tempo de espera nos ajuda a não ter a dor da ansiedade.

Todos podemos ser o que nós decidimos ser, você vai desempenhar o papel que quiser desempenhar, isso deve ser falado insistentemente para todas e todos, ninguém deve se basear nos entraves que o mundo coloca em nossas vidas e sim enfrentar. Dê significados a tudo que constrói. Lembrar da minha história é motivo de gratidão, mas o grande desafio é verbalizar tudo isso porque, embora inspiradora, nunca sabemos como a narrativa será recebida, então, é preciso ter coragem. A coragem de ser imperfeita, improvável, mas possível.

MannaTeam

Quando comecei a ministrar aula na turma de engenharia da UFMG, percebi que os alunos não conheciam a realidade da sociedade na qual viviam. Então, a partir disso, comecei a organizar uma campanha de solidariedade de arrecadação de alimentos, mas não para simplesmente entregar alimentos, mas sim para fazer com que os alunos conhecessem a sociedade.

A escola de engenharia emprestou as  kombis  e os motoristas que serviam de transporte para os alunos para usarmos nas arrecadações e entregas das doações. Quando cheguei ao lixão da cidade também tive um forte impacto, porque achamos que conhecemos tudo, mas só indo até esses locais que temos a real percepção do que acontece.

O MannaTeam surgiu no dia em que o meu coração entendeu o que era o Brasil. Ir até o lixão deu ao aluno a responsabilidade do ambiente de onde ele estava e a consciência  da oportunidade que a sociedade estava dando a ele e não a outras pessoas.

É um grupo de pesquisa, formado por aproximadamente 200 pessoas, de extensão, de inovação e é também um agente tradutor de uma realidade trabalhando na transformação do cidadão 5.0, aproximando a universidade das escolas, transformando sonhos. É um grupo dirigido por valores, empoderado pela tecnologia e movido pelas ações que o amor promove.

Quando falamos  de grupo é importante falar também de equipe. Um pesquisador não é nada sem sua equipe. Somos uma troca constante com aqueles que trabalham conosco e que confiam em nós, seja em sala de aula, no laboratório, em comitês ou nas mais diversas atividades. E falando em amor, um pesquisador tem uma jornada mais feliz com o apoio da família, dos amigos e da sociedade, e sabemos que a felicidade é um diferencial competitivo. Por isso, consegui inserir na UEM a disciplina de Felicidade, mais um dos frutos do trabalho do MannaTeam.

Kombi vermelha

Finalizo minha história falando que hoje tenho a minha Kombi vermelha, a que remete à minha infância, que representa a história de que nós mulheres embora pareçamos improváveis, nós somos possíveis. Ela é parte do meu propósito, ela é onde eu buscava o meu saber por meio de um chocolate. Reforço que o importante é para onde você quer direcionar o seu olhar, as suas escolhas.

 

Crédito das fotos: Arquivo Pessoal.

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